O narcisismo saiu do armário


A necessidade de demonstração de felicidade como marketing pessoal agora tem hashtag, filtro e photoshop.


Paulo Matias Moreira

Pense, ame e invista em si são palavras em voga, comuns de uma pedagogia narcisista. Tal cultura justifica a autoafirmação social no mundo das tecnologias. As redes sociais passam a criar um sonho de vida afetivo autossuficiente, representado em fotos e textos on-line. Portanto, este fenômeno revela que o futuro tem muito a oferecer para reforçar concepções sociológicas e para a compreensão do ser humano.

O erro é analisar o fenômeno da espetacularização da vida como algo isolado das outras formas antigas de conseguir atenção. As tecnologias somente evidenciaram a necessidade egocêntrica, intrínseca ao humano. Logo, demonstrar uma autossuficiência afetiva sobre a felicidade a partir de fotos na praia é como pensaria o criador do conceito de narcisismo, Sigmund Freud: uma demonstração de falta de autoestima e insegurança. Portanto, o contrário do que o individuo parece ser virtualmente.

“Passamos do momento em que o narcisismo era uma patologia para o momento em que ele se fez cultura e cidadania“, a resposta para esta afirmação do filósofo Luiz Felipe Pondé é que as relações sociais estão mais líquidas do que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman previu. Em uma sociedade virtual, supostas amizades surgem pela necessidade de garantia de “likes”. Desta forma, a exibição de um estilo de vida idealizado retrata a função da Indústria Cultural, criadora de ideias e formas de vida a serem ambicionadas e possíveis de serem compradas.

A geração mais dependente da publicação excessiva de fotos pôde observar uma evolução das redes sociais com a intenção de amplificar o exibicionismo. A começar pelo MSN, chats de conversa dificilmente ultrapassavam cinco usuários. Hoje, a plataforma Instagram permite a visualização de fotos por qualquer pessoa e muitas vezes a exposição passa a ser vergonhosa. Amigos exigem que “curtam” suas fotos publicamente. Quando isso não acontece, outros mecanismos como os “hashtags” também são úteis.

O que sustenta este mecanismo é o chamado Argumentum ad populum, termo em latim que, em português, significa apelo por quantidade, é um tipo de argumento que absolve a culpa dos usuários. Culpa essa que não é nem mesmo percebida pela ausência de reflexão sobre o tema. Uma forma fácil de verificar tal afirmação é explanar para um individuo mais velho (pela sua provável não inserção nas novas formas virtuais de afetividade) como o exibicionismo virtual funciona. O resultado é uma reação de espanto.

Tal experiência retoma a ideia estudada por Zygmund Bauman de que no mundo moderno, não se tem tempo de avaliar as mudanças sócias sobre o espectro de concepções morais existentes. A compreensão do filosofo francês Jean François Lyotard de que "tudo esta integrado a um mercado competitivo e a um cotidiano movimentado, que repudia analises longas sobre qualquer assunto", se comprova.  Assim a moral e os costumes avaliados como superiores por um dos fundadores do utilitarismo, John Stuart Mill, em um instante conturbado da humanidade, são esquecidos e promovem uma demonstração dos instintos mais primitivos do homem.

O raciocínio de Jean François Lyotard apresenta uma continuidade na obra de Christopher Lasch, The Culture of Narcissism: American Life in an Age of Diminishing Expectations. “... a propaganda do consumo transforma a própria alienação uma mercadoria. Ela se dirige à desolação espiritual da vida moderna e propõe o consumo como sendo a cura. Ela não somente promete diminuir todas as velhas infelicidades, das quais a carne é herdeira; cria ou exacerba novas formas de infelicidade – insegurança pessoal, ansiedade pelo status, ansiedade dos pais sobre sua capacidade de satisfazer às necessidades dos mais jovens. Parece fora de moda perto de seus vizinhos? Seus filhos tem tanta saúde quanto os deles? São tão populares? Saem-se tão bem na escola? A publicidade institucionaliza a inveja e suas ansiedades resultantes.” (pagina 103)

No entanto, todos os perfis se tornam idênticos na tentativa de registrar com o celular o momento mais glorioso do dia, criando uma imagem conduzida pelas modas de comportamento contemporâneas. A foto de um prato de comida passa a ser então algo digno de comentários e emoticons felizes, de supostos amigos, para supostas personalidades infelizes. O resultado disso é o aumento da liquidez das relações, assemelhando-se à relação de hierarquia entre uma celebridade e seus fãs, em que ao se encontrarem na rua, irão se abraçar, sorrir, mas não saberão sobre o que dialogar, a menos que ambos tenham a mesma notoriedade nas mídias, status social e valores materiais.

Em uma sociedade em que não ter redes sociais é uma exceção, deve-se buscar entender a motivação para uso, se é apenas hábito ou uma real necessidade. Caso o último seja opção escolhida, uma deficiência dos relacionamentos físicos ou reais é o diagnostico provável. Tal reflexão deve também ser preocupação para os pais. Mesmo que não utilizem esse artifício, analisar a fonte de afetividade dos filhos é essencial para poder instrui-los. No entanto, a alternativa mais esperançosa é abolir o mito de que o uso prematuro da internet é uma maneira mais educativa do que o investimento no entretenimento baseado em cultura e esportes.
                                                                     
Paulo Matias Moreira

Fontes de referência

  • A Cultura do Narcisismo - A vida americana numa era de esperanças em declínio - Christopher Lasch  
  • Utilitarismo - John Stuart Mill
  • Amor para corajosos: Reflexões proibidas para menores - Luiz Felipe Pondé
  • Modernidade Líquida - Zygmunt Bauman
  • Modernidade e Holocausto - Zygmunt Bauman
  • A Cultura do Narcisismo - A vida americana numa era de esperanças em declínio - Christopher Lasch  
  • Utilitarismo - John Stuart Mill
  • Amor para corajosos: Reflexões proibidas para menores - Luiz Felipe Pondé
  • https://labirintosdoser.blogspot.com.br/2011/01/christopher-lasch-cultura-do-narcisismo.html


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