Por que não vamos recuperar os nossos relacionamentos


As festas de famílias não serão as mesmas de antigamente

Carlos Teixeira
Jornalista - Radar do Futuro

"É isso aí, família. Podem me entregar pro Dops. Eu sou resistência. Não contem comigo no Natal. Sim, eu odeio vocês. Eu estou junto com seu filho gay, que você prefere que fique no armário. Eu estou junto com sua empregada doméstica, que não recebeu direitos trabalhistas. Aquela que tinha que fazer massagem nos pés como uma mucama. Eu estou junto com seu marido, que assediou sexualmente minha mãe e você fez vistas grossas. Além de torcer para ele morrer o mais rápido possível. Sim, isso não é uma indireta. É super direta. Vão se fuder pra lá. Me esqueçam. Família é afinidade. Não tenho afinidade com vocês. Tchau."

Para quem acha que os relacionamentos voltarão ao normal depois de tudo o que vivemos em tempos recentes, o recado acima, colhido de uma postagem no Facebook, não deixa dúvidas. Os abalos são mais profundos do que há de supor as filosofias rasas, que imaginam que tudo é uma questão de calor do momento. Não é não. Os ressentimentos estão nas redes. Não serão curados simplesmente pelo fato de que a história está apenas iniciando.

É necessário mostrar que o cenário futuro da convivência social e familiar tende a mudanças definitivas nos próximos anos, explicitando ressentimentos diante de um cenário social, político e econômico complexo. Perspectivas negativas que muita gente não vai querer enxergar. Após tudo o que se passou no processo eleitoral brasileiro, você pode até postar uma mensagem simpática, convocando as pessoas próximas, os seus parentes, em especial, a ter boa vontade, superar as desavenças do "passado". Mas não, as coisas não  voltarão ao normal. Muitas relações estarão estremecidas pela constatação de que pessoas mostraram as almas, a essência de ser humano, não as nossas capas com as quais estabelecemos as conversas e interações cotidianas.

Tudo bem, há aquelas pessoas que dão conta de conviver com o "lado bom" das pessoas. Relevar as ações. Como a parente que aceita a tia que, afinal, tem quase 90 anos. "Mas a Maria -- nome genérico, claro -- me aceita como sou, mesmo ela sendo uma radical do PT", diz a tia. O perdão, ou uma relativização da convivência, tende a ocorrer entre figuras com elevada capacidade maternal na relação com os seus ascedentes, como tios e avós. Afinal, mães, mais que as figuras masculinas, tendem a perdoar os erros de seus filhos. As piores atrocidades podem receber um toque de acolhimento. Filhos, com os seus históricos de vida, tendem a ser menos complacentes. 

Inúmeros depoimentos colhidos nas mídias sociais confirmam, no final das contas, que as festas em família não serão as mesmas de antigamente. Simplesmente porque será difícil perdoar. Mas não será a diferença  política, apenas. Você passará a ver o seu cunhado que votou no Bolsonaro com outro olhar. Entenderá que as piadas sem graça sobre homossexuais, negros, mulheres e pobres não são apenas brincadeiras. São demonstrações de crenças e valores arraigados. Profundos. Verdadeiros, reveladores do caráter preconceituoso e manipulável.

Manipulável, sim. Pois bastou um líder dizer que fazer piadas sobre negros e "bichas" é legal, que não devemos nos submeter às "tiranias das minorias", mesmo que se constate que mulheres e negros são maiorias, para que o espírito do seu parente siga a manada. A manipulação, que não é um jogo do óbvio, claro, libera as bestas feras, impossibilita enxergar como as narrativas ocorrem, seja para criar herois ou para sacrificar bandidos. E os manipuláveis são os piores, pelo poder de viver a banalidade do mal.

Você entenderá que o seu outro parente que odeia tudo, o que dispara as mensagens grosseiras que promovem a destruição do outro, da criação da imagem do mal, é a personificação disso mesmo, do ódio. Ódio visceral, além de tudo. O sujeito que usa a religião como subterfúgio para a criação de uma imagem  pública de bondade, que não se confirma.

No final das contas, o resultado das eleições coloca em pauta uma palavra que vem ganhando relevância entre especialistas em comportamentos sociais e individuais: afeto. As escolhas dos parentes nos afetam e passamos a viver o medo. Diante de um sujeito agressivo, com uma única pauta baseada na perseguição a quem se posiciona como contrário, sentimos que não só somos afetados. Nos sentimos confusos ao constatar a mistura de sentimentos. Um internauta reconhece, na rede, que está com ódio e medo."

Manter o relacionamento familiar ou com grupos de amizades vai requerer a superação de dilemas internos. Não ser o que se é, no final das contas. "Mas já sei o que fazer com os amigos e parentes  inteligentes, bem de vida, estudados e que ajudaram a por esse fascista no poder" diz o internauta. "Finjo que está tudo bem... e fujo deles. Mas sendo inevitável, concordo com eles. Se eles disserem preto. Preto. Se eles disserem branco. Branco. Assim que puder, saio fora, vou fazer qualquer outra coisa.  Por que? Porque eles não merecem, atenção, não me merecem, não merecem sinceridade, verdade, não merecem nada."

Nem mesmo uma praga, eles merecem.


Comentários

  1. Muito boa esta reflexão sobre este momento tão conturbado que estamos vivenciando.

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  2. Estou relendo e revendo a verdade do que está escrito...

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