O que podemos esperar de uma nova geração de políticos?

Jonathan Phillips

As eleições de 2018 serão importantes para inaugurar uma nova geração de políticos brasileiros. Uma geração reagindo a uma década de escândalos de corrupção, socializados nos protestos de rua que ocorreram desde 2013, e com quase zero confiança nos políticos. Os partidos políticos estão recrutando intensamente fora da elite tradicional para aproveitar a demanda pública por políticos mais fundamentados, honestos e representativos. A esperança é que uma imaculada tropa de líderes pode governar de forma mais responsável, abandonando práticas de clientelismo, patrocínio e corrupção, e resolvendo uma longa lista de desafios políticos.


Como esses novos ‘outsiders’ (‘estranhos’) da política atuarão se forem eleitos?

Muito ainda será determinado pelas escolhas dos eleitores, pelo sucesso da reforma política nacional, e pelo compromisso dos líderes individuais a governança efetiva. Mas a história oferece algumas lições sobre como os ‘outsiders’ realizam quando são eleitos. Em 1986, o processo de democratização ajudou o PMDB a dominar as eleições governamentais, ganhando 22 dos 23 estados.  Alguns desses governadores eleitos eram ‘outsiders’ ao sistema político – pessoas que não tinham conexões com a política local, se opuseram o antigo regime e prometeram abandonar as práticas políticas tradicionais do clientelismo.

Quais lições podemos aprender das ações desses ‘outsiders’ no poder?

Primeiro, é possível que ‘outsiders’ iniciem transformações dramáticas na governança. Tasso Jereissati, governador do Ceará de 1987 a 1991 e de 1995 a 2002, não teve experiência no governo local ou estadual antes de se tornar governador. Em vez disso, Jereissati ocupou-se com o negócio da sua família e só foi encorajado a competir à posição de governador com o apoio do incumbente e tecnocrata Gonzaga Motta que procurou prolongar sua luta contra seus patrocinadores originais, os três coronéis Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cals.

Depois de ser eleito, Jereissati governou de forma muito diferente dos coronéis. Todos os contratos emitidos sob o regime antigo foram anulados (Abu-El-Haj 2002, 83), assim como todas as contratações, promoções e transferências nos últimos nove meses (Gondim 1998, 36). Foram rapidamente demitidos 152.000 trabalhadores fantasmas (Economista 1991) e a conta salarial caiu de 53,4% do orçamento em 1987 a 30,7% em 1990 (Barreira 1996, 43), enfraquecendo o valor do patrocínio para políticos locais. Os serviços públicos também foram reformados: Em 1992, “a mortalidade infantil diminuiu 36% a 65 por 1000, a cobertura vacinal contra sarampo e poliomielite triplicou para 90% da população, e praticamente todos os 178 municípios do estado tiveram uma enfermeira e programa de saúde pública” (Tendler 1998, 22). O governo começou a trabalhar de forma muito diferente para os cidadãos, com base em regras e não em relações pessoais, e até hoje o Ceará se destaca com a governança mais competente, meritocrática e inclusiva do Nordeste.

Em condições semelhantes em outros estados do Nordeste, um outro estranho da política chegou ao poder em 1987 na Bahia: Waldir Pires. Pires estava no exílio na França antes de retornar e ser nomeado Ministro da Previdência por um breve período em 1985. O exílio impediu Pires de estar intimamente ligado às redes de clientelistas locais, tornando-o um estranho absoluto. No poder, Pires imediatamente demitiu um grande número de trabalhadores públicos que haviam sido contratados antes das eleições pelo seu antecessor (Souza 2009). Os exames competitivos de serviço civil foram introduzidos a partir de 1988. Dantas-Neto (2003, 230-231) descreve o governo como aquele “cujo perfil tinha o vestígio mais claro do anti-carlismo”, opondo-se ao coronelismo de ACM. No entanto, quando estrangeiros como Pires saem, a reforma das políticas podem ser revertidas rapidamente. Pires desistiu como governador em 1989 para competir como vice-presidente do candidato Ulysses Guimarães. O vice-governador, Nilo Coelho, tornou-se governador, e como um ‘insider’, patrocinado pelas elites e proprietários de terras, ele rapidamente reverteu para as práticas clientelistas (Souza 1997, 133).

Contrasta com essas experiências reformistas o desempenho da governança de ‘insiders’ – pessoas que passaram pelo menos oito dos 10 anos antes de 1987 incorporadas em redes governamentais locais ou estaduais como prefeitos, deputados estaduais, deputados federais, governadores ou secretários e que ganharam suas posições políticas para consolidar redes de clientelismo. Em Sergipe, Antônio Carlos Valadares foi o único governador eleito de fora do PMDB, representando continuidade com o regime militar. Outros cinco governadores do PMDB subiram na hierarquia das redes patrocinadoras dos militares (Fernando Collor de Melo em Alagoas, Epitácio Cafeteira no Maranhão; Tarcisio Burity na Paraíba; Alberto Tavares Silva no Piauí; e Geraldo Melo no Rio Grande do Norte). Em todos esses casos, o emprego público continuou a ser usado como recompensa pelo apoio político e as finanças públicas foram alocadas para comunidades preferidas, ignorando o impacto ou a equidade dessa distribuição.

Finalmente, Miguel Arraes de Alencar governou Pernambuco de 1963 a 1964, mas depois foi para o exílio na Argélia, retornando durante a abertura para se tornar deputado federal em 1982, pelo PMDB. Arraes de Alencar estava relacionado a política local por quatro dos últimos dez anos antes de se tornar governador, menor do que nos seis estados que elegeram governadores ‘insiders’, mas também não como um ‘outsider’ puro. Seu desempenho no poder foi igualmente misturado, combinando programas de apoio rural com clientelismo, como “vaca na corda” (apoio à compra de gado) e “chapéu de palha” (emprego público para trabalhadores da cana-de-açúcar em temporada baixa). Por que ‘outsiders’ foram mais propensos a tentar melhorar a governança em 1986? Parte da razão pode ser por causa do seu compromisso pessoal e idealismo, como críticos abertos das deficiências do regime militar. No entanto, muitos dos governadores do PMDB também foram fortes críticos da política de patrocínio tradicional, mas optaram por continuá-la no poder.

Para entender mais precisamente por que os ‘outsiders’ perseguiram tão obstinadamente a reforma da governança, temos que entender seus incentivos políticos. Com poucos vínculos com o governo local e as redes políticas, esses ‘outsiders’ entraram no poder no território dos seus inimigos, com políticos locais e burocratas estaduais esperando continuidade e acesso fácil a fundos públicos. No entanto, essas redes de clientelismo e patrocínio foram controladas por políticos locais e burocratas, e não pelos ‘outsiders’. Então, uma estratégia de clientelismo tradicional simplesmente destinou recursos para os oponentes dos ‘outsiders’. Em contraste, uma estratégia de reforma da administração pública tinha a vantagem de fechar o fluxo de recursos para estes adversários. A reforma também permite a centralização do controle político com o ‘outsider’, permitindo que reivindicassem crédito para qualquer melhoria nos serviços públicos.

Uma vez que reconhecermos que a forma como os políticos sobem ao poder afeta o modo como eles governam, podemos começar a prever como políticos novos atuarão quando confrontados com a realidade do poder hoje. Somente se eles estiverem verdadeiramente desconectados de redes de patrocínio político terão um incentivo forte para abandonar essas práticas. E apenas se as organizações que eles governam são ocupadas por opositores – outras partes, outras facções ou burocratas corruptos – seria politicamente necessário reprimir as suas más práticas usando a reforma.

Uma segunda lição é que as melhorias de governança geralmente são de curta duração. A elite tradicional vai lutar contra. Reprimir as práticas corruptas tem custos reais para aqueles que dependem de conexões políticas para seu trabalho ou renda, tornando a reforma impopular. Construir novos sistemas, justos e baseados em regras para distribuir recursos públicos, é lento e controverso. No Ceará e na Bahia, os novos governadores perderam apoio na Assembleia Legislativa no primeiro ano e eram extremamente impopulares. Somente quando novos programas para impulsionar a economia e serviços sociais começaram a trazer resultados, eles conseguiram recuperar o suporte com base em seu desempenho. E somente quando o governador conseguiu permanecer no poder, forjar um novo movimento político e criar confiança nos eleitores, como Jereissati no Ceará, é que novas formas de governança são sustentadas para além da próxima eleição.

Uma terceira lição cautelosa é que, mesmo que as estratégias de clientelismo sejam substituídas por estratégias da reforma dos serviços públicos, isso não significa o fim da corrupção. A política continua a ser uma disputa brutal dependente do financiamento contínuo e aliados novos, e o abandono das redes clientelistas simplesmente pode ser substituído por redes de elite que facilitam subornos por contratos públicos e pagamentos por votos no Congresso. No entanto, alterando o tipo de corrupção, e não apenas o seu nível, ainda pode ter um grande impacto sobre a disponibilidade e qualidade dos serviços públicos.

Inevitavelmente, o paralelo entre o final da década de 1980 e hoje é imperfeito. A ausência dos militares, a familiaridade pública com as campanhas eleitorais e a profissionalização da burocracia nacional significam que os políticos de hoje operam em um ambiente muito diferente. Os ‘outsiders’ de ontem estão entre os ‘insiders’ mais formidáveis ​​do sistema atual. O desafio político também é diferente em espécie – para parte do país, a transformação urgente não é construir uma política contra o clientelismo, mas construir uma política que detenha a corrupção centralizada. Os ‘outsiders’ terão que se tornar adeptos na regeneração da confiança no governo e na criação de novas relações de responsabilidade que também funcionem entre as eleições.

No entanto, um paralelo interessante entre o final da década de 1980 e o contexto atual é que a renovação política está ocorrendo em um contexto de pressões econômicas intensas. Em 1980, o desafio foi acabar com a hiperinflação, estabilizar a moeda e combater a crise da dívida; hoje, o desafio é reviver o crescimento econômico, reduzir o desemprego e a corrupção, além de financiar de forma sustentável o sistema de previdência social.

Os ‘outsiders’ eleitos enfrentarão uma lista imensa de desafios políticos a serem enfrentados. No entanto, assim como as carreiras políticas de Fernando Henrique Cardoso e outros foram forjadas com seu sucesso na luta contra a hiperinflação, esses desafios econômicos também criam oportunidades para novas estratégias políticas que apoiem uma melhor governança – para políticos que podem mobilizar eleitores criando empregos seguros, que não dependem dos caprichos de políticos ou empresários corruptos, que podem convencer os eleitores que eles têm o poder de deter a corrupção, e que podem construir uma reputação para obter benefícios sociais baseados na necessidade em vez da influência.

Se o Brasil vai reconstruir suas instituições de governança para melhorar a justiça e restaurar a confiança, o público precisará manter a pressão para uma mudança, e as elites precisarão adotar novas estratégias políticas que não dependam de patrocínio ou corrupção. Como uma nova geração se prepara para competir nas eleições, a sua capacidade de transformar o Brasil vai depender se eles são realmente ‘outsiders’, alheios à política tradicional. Vai depender ainda de quão duro eles lutarão contra a velha guarda para diferenciar-se no governo, e se eles desenvolverão novas reputações políticas para combater o clientelismo e a corrupção.



Jonathan Phillips – Doutor pela Harvard University em ciência política. Especializando-se em economia política dos países em desenvolvimento. Sua pesquisa centra-se nas raízes políticas da governança efetiva e nos processos inovadores de responsabilização

Publicado originalmente em
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/cepesp/o-que-podemos-esperar-de-uma-nova-geracao-de-politicos-03022018

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