Carlos Plácido Teixeira
Eu não sou uma pessoa convencional. Estou fora das rodas do senso comum que frequenta reuniões familiares ou encontros de grupos de amigos. Durante grande parte da vida tive a impressão que a fila andava e eu ficava ali, de fora, assistindo. Não era impressão. O tempo passou na janela e o Carlinhos não viu. Entendi, já depois dos 60 anos, que eu era o estranho da turma. Aquele sujeito que, se der chance, "fala pelos cotovelos", em voz alta e com os braços e mãos, desengonçado, pondo em risco quem passa por perto.
Não torço por um time como as pessoas "normais". Já fui um pouco mais atleticano, mas o meu "rigor mental" não admite torcer simplesmente. Não consigo relevar a picaretagem que ronda tudo o que envolve o esporte. Quando o Brasil perdeu para a França na Copa do Mundo de não sei quando, eu vibrei. Sozinho. Mais que torcer para os franceses, fui contra a corrupção do futebol brasileiro
Não sou fã "de carteirinha", como se dizia, de nenhum artista, intelectual ou jornalista. Reconheço e valorizo alguns. Mas não cultuo pessoas, personalidades. Quem é o seu artista preferido? Sei lá. Gostava (e gosto) de Raul Seixas, Marina Lima, Marisa Monte e Supertramp. E Amy Winehouse. Nem por isso comprei e, muito menos colecionei, discos deles. Nem de nenhum outro músico famoso.
Eu reconheço que tenho um rigor comportamental que beira à tolice. Capaz de me manter afastado de pessoas com quem me relacionava por conta de algo que aconteceu com outras pessoas, sem ter qualquer envolvimento comigo. Tipo assim, de ficar brigado para sempre com quem brigou com outro alguém. Reatou na boa tempos depois. E eu ali, afastado de tudo e de todos.
Não tenho hábito de ir a cinemas para ver os preferidos do Oscar, nem acompanho séries da televisão. Aliás, nem vejo televisão, a não ser que esteja ligada e eu tenha me distraído. Não acompanho o noticiário pelo Jornal Nacional. Não jogo nada no computador, nem no celular (lá atrás, eu até quis brincar de Flight Simulator, mas o meu inglês de merda e dificuldades de concentração não me deixaram seguir adiante).
Sou ateu há muito mais tempo do que as pessoas talvez imaginem. Tive medo de ser punido por esse tal de deus. Quando, nos natais, as pessoas falavam em fazer uma oração eu pirava, inclusive porque me sentia oprimido e não sabia dizer "não, eu não acredito nisso". O máximo que eu conseguia era "fugir" para o banheiro. O tempo passou e, depois de velho, continuei com dificuldade de dizer não e de agir de acordo comigo mesmo. Na adolescência eu já agia assim.
Não, gosto de festa junina -- custei a entender que é porque tem muitas regras -- rituais -- e eu tenho dificuldade de seguir rituais, por uma espécie de pânico de não saber seguir cadências ritimadas, baseadas em regras.
Não tenho hobbies. Não coleciono nada, além de papeis, livros e textos em papel e no computador, que nem sei se vou conseguir ler. Nesse aspecto, é até possível afirmar que sou um acumulador, como outros que existem por aí.
Sou de esquerda, mas não do jeito que as pessoas imaginam. Mas o suficiente para esperarem que eu fique calado em um canto, ouvindo os outros falarem coisas que não fazem parte da minha vida. Na minha mente inquieta e descontrolada, é como se fosse proibido conversas sobre futilidades. E eu até gostaria. Mas também quero conversar sobre coisas que as pessoas não querem conversar.
Pensando bem, conversar sobre futuro é completamente fora do convencional, bem lembrado. Totalmente. "Foda-se se o relógio do fim do mundo avançou mais alguns segundos", né mesmo?
Tiro fotos, mas não coleciono fotografia e nem considero que tenho um hobbie. Os álbuns de fotografias estão em algum canto. E como diz a Jane, minhas fotos não têm o menor sentido.
Nem sequer opiniões definitivas eu coleciono, também ao contrário do que muita gente imagina. Gostaria de estudar sobre os assuntos, mas tenho dificuldade em falar o que penso e sinto. E as pessoas me acham confuso, no que têm razão, no final das contas.
Não tenho prazeres gastronômicos. Aprendi desde cedo que comida é alimento, "sustança", como diziam os de antigamente. Nem cultuo outros prazeres do corpo e da alma, inclusive de tomar vinhos, cervejas ou uísques.
Quando me perguntam sobre a minha comida preferida, sinto alguma ansiedade por ser "obrigado" a dizer alguma coisa; às vezes acho que escolhi a feijoada por conveniência, mas talvez tenha dúvidas de que seja verdade. Talvez seja uma moqueca de peixe, mas não necessariamente. Recentemente entendi que tenho dependência de pão e que gosto de pão de queijo com café.
Não sei as marcas dos carros. Não vou ao mercado central. Ando de bicicleta por que devo. Nâo sou apegado a coisas da Apple, nem da Samsung.
Sou tão fora do convencional que, quando existia o sítio de Florestal, eu tentava propor algum esporte, tipo futebol na piscina, e era vencido sempre.
Outro dia também entendi que o azul é minha cor favorita, mais por uma questão de prática no uso. "Olha, como é frequente eu aplicar azul nas coisas que eu produzo", pensei. Foi meio assim mesmo.
Não choro os parentes mortos. Lá em 1987, quando a minha mãe desabafou comigo que meu pai tinha câncer eu lembro vagamente de meu sentimento de estranhamento. Era algo como "o que essa senhora está falando aqui comigo?" "Por que ela está desabafando comigo?" Convivi com a sensação de que, no final das contas, acho que bateu como algo assim: já que não tem ninguém em casa, ela desabafou com a falta de alternativa. Ou seja, nem à minha família, formada por seis filhos únicos, com zero de interação, sinto pertencente.
Quando meu pai morreu eu não chorei. Aliás, tenho algum sentimento de culpa, pois conheci a Jane em um fevereiro de Carnaval, enquanto meu pai estava hospitalizado. Aliás (2), tenho dificuldade enorme de falar pai ou papai. Eu o chamava de dotô Carlos. Entre amigos, me referia ao "véi". Assim como chamo minha mãe de dona Dora.
Também não chorei quando minha avó Helena morreu, nove meses antes de meu pai. Meus avô Antônio muito menos. Meus primos. Tios. Amigos, vários, que se foram. Sinto falta de alguns deles (até lacrimejei agora, veja só que estranho que sou). Não que eu seja insensível. Ás vezes, do nada, eu me emociono com alguma coisa, com alguma história. Levo susto, até. Talvez eu seja estranho mesmo.
Levei 30 anos para me assumir como jornalista. E, mesmo assim, foi por conveniência, já que não tinha jeito de ser outra coisa. Me sinto absolutamente fora do mundo das pessoas normais que atuam na profissão. Agora, aos 68 anos, entendi que talvez tenha sofrido bulling na infância. Por isso, provavelmente cancelei minhas memórias de infância e adolescência. Talvez porque eu era um sujeito estranho, pouco convencional. E eu era. Magrelo, desajeitado, tímido, crédulo... sei lá. Isso explica em parte porque as pessoas me têm como uma pessoa inteligente, mas eu tive uma vida de estudante e profissional medíocre (na média para baixo, aliás, um excelente tema para reflexão na minha terapia.)
Se chegou até aqui, muito obrigado.
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