O que houve com a inteligência humana?



A humanidade está ficando mais burra, diz uma reportagem da revista Super. Talvez isso explique a impossibilidade de se discutir política nos tempos atuais

Carlos Teixeira
Jornalista I Editor do Radar do Futuro


A sociedade global vive atualmente a "era da burrice". Quem afirma é a revista Superinteressante, na reportagem principal da edição de outubro de 2018. E generalizações para vender revistas devem ser evitadas, de fato. Mas a constatação se baseia em estudos realizados em vários países. Eles apontam que, "pela primeira vez na história, a inteligência humana começou a cair". Pesquisas desenvolvidas na Dinamarca, Holanda, Inglaterra, Alemanha e Portugal, entre outros lugares, detectam processos semelhantes de queda do Quociente de Inteligência, o QI.

Os autores do texto, Eduardo Szlarz e Bruno Garotto, questionam se o momento atual sinaliza o aumento da ignorância. Afinal, dizem, as redes sociais são o ambiente e a prova de "discussões inúteis, intermináveis e agressivas. Gente defendendo as maiores asneiras, e se orgulhando disso. Pessoas perseguindo e ameaçando as outras. Um tsunami infinito de informações falsas". Eles suspeitam que, de uns tempos para cá, o mundo está mergulhando na burrice.

Ok, a expressão "burrice" talvez não seja muito inteligente para definir a complexidade dos acontecimentos. Mas há alguma coisa acontecendo de verdade. Basta ver o nível do debate predominante nas redes sociais, que ajudaram a eleger um ex-capitão do exército que propaga a perseguição a inimigos comunistas. Mesmo que nem mesmo os comunistas consigam encontrar um por aí.

No Brasil, constata a matéria da Super, a situação não é diferente de outros países. Claro. Os autores  exageram em alguma medida ao argumentar com dados de um estudo do Ibope Inteligência. Segundo um levantamento que envolveu 2 mil pessoas, 29% da população é analfabeta funcional. Ou seja, um terço ou uma em cada três pessoas não consegue ler sequer um cartaz ou um bilhete. "E o número de analfabetos absolutos, que não conseguem ler nada, cresceu de 4% para 8% nos últimos três anos. Um dos motivos para a expansão da burrice, como reconhece a revista, é que os investimentos em educação passaram a ser decrescentes recentemente.

Talvez possa ser uma dificuldade minha de compreensão, mas parece haver alguma lógica nas constatações. Afinal, como entender um momento em que emergem grupos denominados de "terraplanistas" no cenário global. Ou seja, explicando melhor, gente nascida entre o final do século passado e início do atual, de classe social razoavelmente esclarecida, com tempo para pensar bobagens, que se mobiliza para defender a tese de que a Terra é plana. Humanos que categorizam viagens e imagens do planeta como grandes fakenews.

Ou como compreender a crescente força de movimentos carregados de ódios, da expansão das influências religiosas limitantes e do crescente moralismo, além de ações com traços fascistas, destacadas em diversas regiões do planeta? Se inteligência tem relação com a capacidade de compreensão de eventos complexos, estamos em meio a um processo de decadência real. O que parece juntar os movimentos de tais grupos é a dificuldade de compreensão da realidade além de receitas simplificadoras.

O que a reportagem da revista SuperInteressante não questiona é a influência dos meios de comunicação tradicionais na formação da inteligência atual. Afinal, você chega na casa da sua mãe ou de um irmão e a televisão está lá, ligada na Globo. Vai almoçar em um restaurante, a TV fazendo plim-plim, na mesma sintonia. Vai à consulta médica, idem, na sala de espera. Na academia, no boteco noturno, idem, idem, plim, plim. Vai ao aniversário da afilhada, a mesma coisa, tudo igual. Globo, Globo e rede Globo. Também tem a Globonews e, de vez em quando, a Record. Entra no carro, ouve a CBN, da Globo. Há décadas tem  Faustão, futebol às 4 horas da tarde ou nas quartas-feiras, às 22h. Luciano Huck nas tardes de sábado, após conversas com as estrelas. Novelas das seis, das sete, das oito. Jornal Nacional.

Essa super exposição tem influência real sobre a dificuldade que alguns sentem em conversar com pessoas, sem a sensação de que algo está acontecendo com a capacidade humana de pensar por conta própria e de dialogar. O fato é que, influenciados por mensagens subliminares de líderes de audiência e reguladores de conteúdos, estamos vivendo um momento de transição em que mais gente vai questionar a capacidade intelectual de quem se posta como manada, enquanto aguarda uma nova receita da Ana Maria enquanto o médico atrasa mais uma vez.

Você está super exposto a meios de comunicação que passam longe de qualquer coisa que favoreça a reflexão e o senso crítico. Mas serão as tecnologias e os novos meios de comunicação que ganharão a fama de geradores da ignorância das gerações que estão no centro do campo. Peraí, mesmo com os seus 60 anos, a sua irmã não consegue entender a realidade além do que diz a Globo. E o smartphone, que só esteve intensamente presente nos últimos 10 anos, que vai levar a culpa?




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