Para astrólogo, geminiano, para a ciência, deficiente de atenção

O que a falta de um diagnóstico não faz. Quando você percebe, os danos já são praticamente irreversíveis.
Carlos Plácido Teixeira
Jornalista - Geminiano com TDAH

Aos cinquenta e tantos anos, suspeitei que sou portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o TDAH. Em outros tempos, jamais ouvi falar no assunto, mesmo porque a expressão é recente, pelo menos no vocabulário da população leiga em questões da psicologia. Alheio à existência do diagnóstico, na minha história, convivi com a glamourização das características de um "nascido em gêmeos". Não só eu, mas sempre fui tido como um típico representante  do signo. 

Sabemos e temos muitas informações sobre características gerais do zodíaco, mas somos alheios às descobertas das ciências do comportamento. Os astrólogos fazem, pela via indireta, uma boa descrição de um sujeito que carrega o transtorno de  deficiência de atenção. Hoje, percebo alguma contribuição do zodíaco na compreensão sobre de nuances do comportamento.

Os geminianos, representantes do terceiro signo do zodíaco, são associados ao desenvolvimento do intelecto e da comunicação. Os nascidos entre 21 de maio e 21 de junho têm pensamentos e a curiosidade intensos, reflexos da inteligência elevada. Ágeis no raciocínio, argumentam com agitação ainda mais entusiasta. Ter uma plateia de ouvintes é um dos seus grandes prazeres. Movidos pela curiosidade infindável, a instabilidade é tanta que se tornam irritadiços e entediados se não têm coisas novas em que pensar a cada semana. 

A valorização do intelecto acima do instinto, a racionalidade e o desapego aos sentimentos mais fúteis da humanidade, descritos no zodíaco, eram um certo fator de orgulho na adolescência. Ter novas coisas para pensar. Ter novos projetos, novas ideias. Estas características do jeito de ser do geminiano,  relatado pela astrologia, é capaz de gerar certo fascínio e algum sentimento narcísico. 

Desde quando me entendo por gente, e custei a me entender como tal, acumulo lembranças e histórias típicas de quem vive no "mundo da Lua", distraído, disperso, sem coordenação. Vivia tanto em pensamentos distantes que, segundo algum parente, um dia seria capaz de chegar em casa, sem perceber, com uma cadeira amarrada às pernas. Fui reprovado na escola de inglês porque, em uma prova, voei para longe enquanto na tela passava um filme do qual foram extraídas as perguntas da prova.

Mas, acima de tudo, sempre tive vários projetos. Aliás muitos projetos e ideias ao mesmo tempo. Uma descrição semelhante à do zodíaco. Os astrólogos dizem que geminianos adoram literatura e tendem a ler vários livros ao mesmo tempo. "Se conseguirem, irão discorrer sobre eles sempre que surgir alguém disposto a escutar. Podem ter também pendor para a escrita, e talento não lhes falta para isso. Suas ideias quase sempre são originalíssimas. Todavia, falta-lhes um tanto de estabilidade para conseguirem torná-las reais".

Glamourização


O mito do geminiano ajuda a entender, em parte, conceitos sobre o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Especialmente, a inquietude e a impulsividade. Ao mesmo tempo em que demostra interesse contínuo em aprender coisas novas, um portador de deficiência de atenção e hiperatividade tem dificuldades em aprofundar o conhecimento sobre assuntos gerais e específicos. "Satisfazem-se com a ideia geral de cada informação. Por isso mesmo podem caracterizar-se por um grande superficialismo", apontam os astrólogos, contribuindo, indiretamente, para revelar um traço do perfil de um TDAH. 

Segundo os astrólogos, o geminiano exerce o intelecto como um fim em si próprio. A lógica e a aquisição de informação valem para eles muito mais do que a compreensão e a criação de conhecimento, "tarefas muito melhor desempenhadas por um sagitariano". Sua capacidade de expressão os torna muito populares. "Mas também podem fazer com que pareçam fofoqueiros e tagarelas", definem.

A Associação Brasileira do Déficit de Atenção ressalta, em seu site, que o TDAH é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. É resultado de uma combinação de diferentes fatores, entre os quais destacam-se, além dos genéticos, ambientais, biológicos e sociais. 

As definições dos especialistas demonstram mudanças da percepção social sobre o comportamento. Ou seja, a consciência sobre os efeitos negativos do transtorno aumenta perante a sociedade, o que resulta na avaliação de que "o problema está aumentando". Nada disso. É o diagnóstico que passa a ser mais frequente pelo acesso ao conhecimento científico. 

Revisto e reescrito em setembro de 2021
Original: 14/7/2017

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