Na era da internet os “Tempos Modernos” de Charles Chaplin teriam que
ser filmados nos armazéns de estoque da Amazon. Uma câmara oculta do
programa “Panorama”, da BBC, se infiltrou em um dos cinco depósitos da
Amazon no Reino Unido para revelar as condições chaplinianas do trabalho
do gigante das vendas online.
Marcelo Justo
Carta Maior
Na era da internet os “Tempos Modernos” de Charles Chaplin teriam que
ser filmados nos armazéns de estoque da Amazon. Uma câmara oculta do
programa “Panorama”, da BBC, se infiltrou em um dos cinco depósitos da
Amazon no Reino Unido para revelar as condições chaplinianas do trabalho
do gigante das vendas online.
O depósito de Swansea, País de
Gales, tem quatro pisos e uma superfície de 74 mil metros quadrados de
intermináveis galerias. O jornalista infiltrado, Adam Litter, que
trabalhava como recolhedor noturno cerca de 10 horas e meia por turno,
devia andar uns 17 quilômetros diários e recolher em seu carrinho uma
ordem de compra a cada 33 segundos.
No programa, o jornalista de
23 anos carrega na mão um scanner que indica a localização dos objetos a
recolher e que tem um sistema de contagem regressiva de segundos para
medir quanto tempo falta para fazê-lo. O sistema tem um som similar ao
que se escuta nos aparelhos que medem a frequência cardíaca dos
pacientes em um hospital com um apito que alerta se foi cometido um erro
semelhante ao que soa quando o coração e as funções vitais estão em
perigo.
“Somos como máquinas, como robôs, uma vez que nos conectamos
ao scanner é como se estivéssemos conectando nossa vida”, disse Litter à
câmera.
O programa, transmitido segunda-feira à noite, traz a
opinião de um especialista em legislação e de um em psicologia do
trabalho sobre as condições laborais dos recolhedores na Amazon. O
advogado Giles Bedloe não tem dúvida. “É ilegal. Se é o caso de um
trabalho físico pesado ou com forte stress mental, o trabalhador de
turnos noturnos não pode estar empregado mais de oito horas por dia”,
disse à BBC.
O professor Michael Marmot, um dos maiores nomes da
Psicologia do Trabalho britânica, foi igualmente contundente sobre o
impacto que esse tipo de trabalho tem na saúde. “Há um altíssimo risco
de enfermidade física ou psicológica. É certo que este tipo de trabalho
não qualificado sempre vai existir, mas podemos torná-lo pior ou melhor.
Neste caso, trata-se das piores condições imagináveis”, assinalou à
BBC.
Os pés de Litter são uma prova do imenso desgaste físico que
implica percorrer 17 quilômetros diários empurrando um carrinho cada
vez mais pesado de objetos. Nas imagens pode-se ver os pés feridos do
jornalista-recolhedor que confessa que “é a parte do corpo da qual
queria me livrar neste momento”.
Ao desgaste físico se soma a
pressão para cumprir com os “objetivos de produtividade”. Estes
“objetivos”, que servem para qualificar o desempenho e a continuidade do
empregado, são medidos pelo tempo que demora em recolher cada ordem. Se
não cumpre a média de 33 segundos por ordem, a Amazon coloca o
trabalhador em um regime de observação.
Na primeira etapa deste
regime, o empregado se reúne com um “assessor laboral” para ver como
melhorar seu desempenho. Se depois da assessoria ainda não consegue
cumprir com os “objetivos” é advertido. No caso dos trabalhadores
temporários, é como entrar em uma rota de plano inclinado: dificilmente
sobrevivem ao período natalino.
Em resposta ao programa, a Amazon
negou categoricamente ter violado as leis trabalhistas britânicas ou
explorado seus trabalhadores. “A segurança de nossos empregados é nossa
prioridade número um e nós cumprimos com toda a legislação laboral
vigente. Segundo nosso especialista laboral independente as condições
nas quais trabalha o recolhedor são similares as que existem em outros
lugares”, disse a empresa em um comunicado.
A defesa da Amazon
parece mais uma condenação dos outros estabelecimentos – “condições
similares” – do que uma justificação de sua própria prática laboral.
Esta prática não se limita aos depósitos da companhia no Reino Unido. Na
Alemanha, o gigante estadunidense enfrentou uma nova greve de seus
trabalhadores na segunda-feira. Eles reclamam melhores salários e
condições de trabalho. Os sindicatos vêm protestando desde o verão
europeu para exigir que a empresa aplique a seus empregados as condições
válidas para os trabalhadores do comércio varejista. Um porta-voz do
sindicato Verdi assinalou que estão dispostos a melar as vendas de natal
para que a empresa atenda as suas demandas.
A Amazon
propagandeia com frequência os benefícios que recebe o consumidor ao
adquirir produtos mais baratos sem ter que sair de casa, mas essa
inegável vantagem tem como preço não só as condições laborais dos
empregados, mas o fechamento de pequenas e médias empresas. Essas
empresas se queixaram que a Amazon mal paga os impostos, algo que se
encontra na boca do povo desde que começou a era dos ajustes na União
Europeia depois do estouro da bolha financeira de 2008.
No Reino
Unido a pressão do Tax Uncut, um grupo que luta contra os cortes
fiscais, expôs que essas grandes multinacionais da internet são uma rede
sistemática de evasão e sonegação fiscal. Em 2001, a Amazon teve vendas
equivalentes a 5 bilhões de dólares no Reino Unido e não pagou um
centavo de impostos corporativos.
O tema diz respeito às 28
nações que formam a União Europeia. Esta semana, a Comissão Europeia
apresentou um projeto de reforma da legislação tributária para fechar a
brecha legal aproveitada por estas multinacionais que permite que se
registrem em países como a República da Irlanda, com baixos níveis
tributários e muitas isenções, para pagar o mínimo e não deixar um
centavo nos lugares onde fazem seus negócios. Este mínimo é efetivamente
infinitesimal. Segundo um informe recente da OCDE, não passa de 1%.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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