De onde vêm as dificuldades da reforma tributária

A grande barreira à racionalização do sistema fiscal brasileiro é a existência de um forte lobby organizado por quem se beneficia pelas distorções atuais. Essa é a opinião de especialistas presentes em debate sobre reforma tributária realizado pela Folha de S.Paulo.
Para eles, entre as resistências estão a de governadores interessados em seguir utilizando o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) como ferramenta política e a de empresas beneficiadas por incentivos fiscais regionais, entre outros.

O sistema tributário brasileiro atual completará 50 anos em 2015. Os debatedores acham que ele deve ser mudado por inteiro. "Somos campeões mundiais em horas gastas para cumprir as obrigações (tributárias). Outro dia fui conversar com uma empresa que tinha 6.000 funcionários e 200 trabalhando na área tributária. Isso é peso morto, gente que poderia estar fazendo outra coisa", criticou Bernard Appy, diretor da consultoria LCA e ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda.

Para ele, o sistema tributário piora progressivamente. "No Brasil, aprova-se mais de 200 leis federais por ano. Isso não é normal, é sinal de instabilidade institucional. E os jornalistas acham bonito, dizem que o deputado é bom porque apresentou muitos projetos de lei", ressaltou.

Questionado sobre qual seria o sistema tributário dos sonhos, José Roberto Afonso, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), sugeriu um imposto com legislação federal, mas que fosse cobrado por estados e municípios. "Com cadastro único, usando nota fiscal eletrônica", destacou.

Risco jurídico - Joaquim Levy, diretor-superintendente da Bradesco Asset Management, concorda que o mais desejável é uma reforma ampla. "Reformas parciais criam risco jurídico. Aí tem liminar, decisão judicial, e perde arrecadação. Em um momento em que você tem de ter performance fiscal, é um risco não desprezível. Os governos não se entusiasmam pela reforma tributária muito em função do risco jurídico", argumentou Levy.

"Além disso, do ponto de vista político, quanto mais amplo, mais fácil de fazer. Porque aí você tem mais variáveis para jogar, é mais fácil fazer compensações para um e outro. Reformas estreitas significam um custo muito alto para o governo. Você vai contrariar sem dar nada em troca?", questionou.

O elevado grau de disputas judiciais na área tributária foi lembrado por Appy. "Na hora que muda a legislação, a empresa gasta para se adaptar. Tem um problema sério no Brasil que é o grau de contencioso no sistema tributário. As dez maiores empresas do país estão com 40% do seu patrimônio líqüido em contenciosos do sistema tributário. Isso significa um gasto enorme e um grau enorme de insegurança jurídica", advertiu.


Resistências - Apesar da necessidade da mudança no sistema tributário, o ex-secretário-executivo da Fazenda disse não acreditar que seja politicamente possível fazer uma reforma pela força dos lobbies. "Existe pouca força a favor, mas muita contra. Pouco tempo atrás surgiu uma proposta de unificar impostos. A primeira reação foi dos municípios. A base de serviços é a que mais cresce no país, vocês querem tirar ela da gente?. Aí tem os governadores, que gostam de ter o ICMS na mão como instrumento de incentivo - é um instrumento de poder. Isso sem falar nas empresas que têm benefícios e não querem perdê-los, mesmo que isso tire eficiência do país", analisou.

"Desenhar um sistema, fazer uma proposta, é fácil. Junta uns bons economistas, podemos até melhorar a distribuição de renda. Mas como ir contra os interesses consolidados? Você só mobiliza todo mundo que é contra...", afirmou.

Levy citou a mesma dificuldade. "Toda vez que você fala da reforma, parece que 28 estados da Federação aparecem dizendo que vão perder", lembrou.

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