Há mais de 30 anos, nos anos 1980, quando eu frequentava o curso de jornalismo, havia alguma discussão sobre a pertinência ou não de discutir política, religião e futebol. O senso comum já dizia, então, que os três assuntos jamais deveriam ser parte de uma conversa, em especial em mesas de bar. Afinal, partido, deus e time cada um tem o seu, seja lá qual for, genericamente falando. Ou não.
Para nós, estudantes de jornalismo da época, período de transição do governo militar para a democracia, em que a censura era real, com demonstrações de força dos militares e uma certa paranoia no ar, toda discussão deveria valer a pena. Pelo menos em tese, acreditávamos, seria uma oportunidade de aprendizado pessoal, de conhecer opiniões e fatos, rever convicções. Uma proposta de mudar o mundo e chance de crescer a partir do debate, de exercitar as artes do diálogo e da argumentação. Aprender a complexidade do mundo. De ouvir.
Eu também acreditava na importância de romper limitações e debater assuntos, como possibilidade de crescimento pessoal e social. Tentava, em alguma medida exercitar um outro mito do jornalismo, também difícil de praticar, o da objetividade, da isenção diante dos acontecimentos.
Mas já engrossei há bastante tempo o grupo dos que deixaram de lado tais crenças.
E me calei, recolho-me quando ocorrem discussões na mesa ou em qualquer lugar. Aprendi a apenas a ouvir. Passei a repetir, e acreditar, então, "que se Deus deu dois ouvidos e uma boca ao ser humano era porque imaginava ser mais importante ouvir do que falar".
Se não posso interagir com o mundo, que eu pelo menos tente entender como ele funciona. Se desistí e me inserí entre os que não acreditam na viabilidade de conversas saudáveis é porque assumi a crença de que as pessoas não estão dispostas a ouvir. Há uma enorme disposição em se entregar ao senso comum, à manipulação grosseira de grupos sociais, à visão parcial, ao ódio que, no final das contas, vai deixar legados terríveis para o futuro imediato.
Percebo isso claramente em meus passeios de bicicleta em grupos.
Nas duplas ou pequenos grupos que se formam, sempre há um, e apenas um, que fala. O falante. Lógico que há conversas verdadeiras entre velhos amigos. Quando, raramente, apresento-me como jornalista ou do Radar do Futuro, sou levado a ouvir longas críticas ao jornalismo ou sobre o futuro de alguma coisa. Todo mundo tem uma visão brilhante sobre alguma coisa. Não é de todo ruim, mas é curioso constatar que não há perguntas. O outro ali presente é o ouvido. Pouco importa se tem opinião, se tem uma experiência de vida diferente.